Essa semana, ao analisar um artigo sobre métodos de pesquisa, fui levado a refletir sobre a forma como estruturamos nossos pensamentos. Isso vai muito além de reconhecer vieses e heurísticas e pode ter um impacto fundamental não apenas na forma como pensamos mas na facilidade de interagirmos com outras pessoas para gerarmos soluções colaborativas para problemas complexos.
O assunto requer uma boa dose de autorreflexão. Se pensar já cansa, e por isso nossa mente evolutivamente favoreceu nossa capacidade de reagir instintivamente ou por meio de respostas-padrão, imagine pensar sobre a forma como desenvolvemos nosso raciocínio?
Mas tentarei fazer as simplificações possíveis para fazer a jornada valer a pena. Segura que lá vem textão!
Anos 80 e a caça aos paradigmas
Lembro-me dos treinamentos corporativos nos anos 80. O que mais ouvíamos é que estávamos presos a paradigmas e que precisávamos mudar a forma de pensarmos para contribuir para nossa organização. Deixarmos de resistir às mudanças necessárias. Alguém também viveu essa época? Para você que não viveu, deixe-me trazer uma pílula do passado.
Paradigma, de uma forma bem simplificada, nada mais é do que um modelo mental sobre algo, geralmente embasado em uma teoria ou pressuposto filosófico. É um padrão a ser seguido.
Por exemplo, para um tema como responsabilidade social empresarial, temos diferentes paradigmas:
1) A responsabilidade social de uma empresa é fornecer produtos ou serviços que atendam às necessidades da sociedade, garantindo sua qualidade. A responsabilidade da empresa é sobre o fato do produto.
2) A empresa deve respeitar legislação e contratos. Pagar impostos, fornecedores, funcionários, atender as condições contratadas com os clientes e demais requisitos legais aplicáveis aos diferentes públicos. O lucro cabe ao acionista ou a reinvestimentos para garantir que a empresa sustente suas atividades e permaneça cumprindo sua função social.
3) A empresa deve focar além do lucro: deve haver uma “double bottom line”. Mas deve-se manter a sinergia com sua atividade fim. Por exemplo, uma empresa de softwares que fornece licenças gratuitas a estudantes, mas com expectativa de convertê-los em futuros clientes pois estarão habituados às funcionalidades das soluções.
4) Deve-se associar responsabilidade social à reputação da marca. Explorar o marketing social. Por exemplo, um fabricante de refrigerantes que patrocina ONGs de recicladores de resíduos plásticos, ou que incentiva ações voltadas à promoção do esporte e atividade física.
5) Deve-se ir além do marketing social ou da sinergia com os negócios. A empresa deve envolver-se em filantropia, investindo parte de seus resultados para desenvolvimento de sua comunidade de entorno ou engajando-se em temas relevantes para a sociedade.
6) Deve-se adotar um modelo balanceado de atuação responsável, com foco nos pilares ESG – cuidados com o meio ambiente, prevenção de impactos sociais e manutenção de um sistema de governança capaz de assegurar a sustentabilidade do negócio.
E paramos por aí, acho que já é suficiente para termos uma ideia dos diferentes paradigmas que podemos encontrar apenas em torno de um tema atual. Todas essas opções que listei não saíram da minha cabeça: são baseadas em teorias e modelos de gestão robustos que as fundamentam.
Cursos de MBA, consultorias, revistas especializadas, livros de autoajuda, canais de Youtube, podcasts de celebridades etc. são repletos e vivem da disseminação de paradigmas. Você encontra de tudo: modelos de planejamento estratégico, estilos de liderança, abordagens de governança corporativa, desenhos de hierarquia organizacional, gestão de investimentos, alimentação saudável, modelos de projeção de sua carreira e por aí vai. Faça como o Google! Faça como a Apple! O modelo Amazon…
Experimente passear por uma livraria – pode ser virtual. O que você verá é uma variedade sem fim de modelos ou paradigmas a serem seguidos. Escolha um tema da moda: tipos de dietas, por exemplo. Embora alguns autores reivindiquem esse selo para si, não existe o melhor modelo: modelos são modelos e ponto, com prós e contras. Bom para você se conhecer um repertório de soluções variado – com certeza pode melhorar sua eficácia pessoal se, ao ser deparado com um desafio individual ou corporativo, souber adotar um modelo mais adequado ao contexto ou que mais agrade às pessoas envolvidas.
Mas de onde vem os paradigmas?
Ou ainda, como fazemos nossas escolhas?
Todos nós, com maior ou menor consciência sobre esse processo, possuímos estruturas interpretativas da realidade, baseadas em nosso sistema de crenças e valores, que constituem pressupostos filosóficos que definem a forma como pensamos. Isso vai desde como formulamos problemas, selecionamos informações, analisamos possíveis respostas e definimos nossos modelos ou padrões de decisão e comportamento.
Isso está enraizado em nós em níveis muito profundos: herdamos de nossos pais e professores, faz parte da cultura da comunidade em que crescemos, influência da religião que professamos, filmes e livros que assimilamos, primeiros líderes que tivemos no mundo do trabalho e por aí vai.
Há mais de uma dezena de estruturas interpretativas se consideramos só as escolas filosóficas contemporâneas. Eu, pessoalmente, orbito entre três dessas estruturas, dependendo da complexidade do problema e dos recursos disponíveis para sua análise e solução:
1) Como minha primeira formação é na área de engenharia, me encontro às vezes como um pós-positivista, que pode ser definido como alguém que: considera existir uma multiplicidade de perspectivas ou a necessidade de uma abordagem sistêmica ao analisar uma situação; acha ser importante seguir uma série lógica de etapas de análise e solução; e baseia suas análises em dados e fatos coletados de acordo com um método adequado.
2) Por requisitos do ofício, já me peguei por várias vezes sendo levado a adotar uma estrutura de pensamento que mais se assemelha ao pragmatismo, ou seja, ao contrário dos pós-positivistas que tentam entender muito bem o contexto que envolve o problema, um pragmático foca diretamente em sua solução. Não há preocupação com análises abrangentes ou rigores metodológicos: o que importa é chegar a uma solução satisfatória, que funcione, deixe todos contentes e não se fala mais nisso!
3) Com a idade e a experiência acumuladas, reconheço que mais recentemente tenho adotado uma abordagem que alguns autores denominam de construtivista. Isso significa que tenho dado mais valor a minha experiência pessoal ao analisar um problema e buscar uma solução de uma forma mais intuitiva, algo que faça sentido e esteja alinhado ao meu histórico pessoal e profissional e só depois buscar complementar minha interpretação com base em modelos teóricos e outros paradigmas já existentes.
Mas a lista de estruturas é enorme: interpretativismo, teoria crítica, modelos marxistas, pós-colonialismo, universalismo, etnografia, semiologia, existencialismo e por aí vai.
Assim como não existe o melhor paradigma, apenas uma variedade de modelos disponíveis que tentamos encaixar em um contexto, não existe a melhor estrutura interpretativa. Viva a diferença e a pluralidade de formas de pensamento!
Nesse sentido, para temas de relevância social, sou bastante darwiniano ou evolucionista: o que importa é a fecundidade de ideias. Deixem o tempo e a sociedade fazerem as vezes da seleção natural. As ideias mais bem adaptadas e que mais contribuírem para a sociedade no longo prazo sobreviverão. O processo evolucionário é caótico assim mesmo, não há compromisso com a melhoria contínua e sim com a constante inovação. O ambiente julga e faz a seleção do que é melhor.
Mas se estamos em uma organização, com um objetivo específico a ser atendido, e nos encontramos envolvidos em um embate de ideias com outras pessoas, é essencial reconhecermos a existência de estruturas interpretativas ou ideologias diferentes entre os interlocutores para chegarmos ao melhor termo possível.
Por exemplo, se lembrarmos a lista de paradigmas de responsabilidade social que uma empresa pode adotar, provavelmente nossa maior simpatia por uma das alternativas não tem a ver com nossa avaliação racional das mesmas: todas tem prós e contras. Apenas valoramos os paradigmas de forma diferente a partir de nossa estrutura interpretativa.
E qual a importância disso?
Muita! Primeiro: temos que ter a consciência que nossas crenças e valores influenciam a forma como decidimos sendo o mesmo válido para os outros, no caso de decisões compartilhadas.
Ao analisarmos uma situação com uma estrutura de pensamento distinta de nossos interlocutores, dificilmente um debate levará a um consenso fácil, se é que poderemos chegar a bons termos. Pelo contrário: o embate de ideias pode levar a bloqueios de comunicação e em último caso a conflitos. Isso pode explicar o grau de polarização que encontramos em alguns debates políticos, por exemplo. Ou ao crescimento de desfechos judiciais ou por meio de arbitragem.
Segundo: como essas estruturas são baseadas em crenças e valores, quando contrariamos os valores de alguém, a emoção que provocamos é nojo. Se insistimos demasiadamente em nosso ponto de vista, pode se tornar uma ofensa pessoal. O nojo nos leva a virar a cara, fechar os olhos, não querer ouvir mais daquela pessoa. E o triste e que também podemos ter essa reação. Aí, adeus diálogo.
E o que fazer então?
Ter a consciência disso pode mudar completamente nossa abordagem de análise e solução de problemas complexos em um grupo de pessoas com diversidade de opinião. O consenso sobre um problema complexo precisa se dar em pelo menos duas etapas, isto é, antes de discutirmos o problema ou paradigma em si, precisamos definir o modo como o problema será abordado pelo grupo. Tudo bem se, caso não haja consenso completo, adotarmos simultaneamente mais de uma estratégia de análise, desde que o grupo tenha consciência disso e considere os resultados ou soluções propostas conforme cada lente de pensamento, até chegar à sua conclusão final.
Precisamos estabelecer pontes empáticas, buscando valores comuns que possam facilitar a convergência de pensamento. Também ajuda termos muita inteligência emocional, para percebermos reações e regularmos as emoções que permeiam conversas que se tornam difíceis.
Além disso, estrategicamente, antes de tentar se fazer ouvir, é importante demonstrar à outra parte que nós a ouvimos e compreendemos seu ponto de vista e reconhecemos os valores associados à sua forma de pensamento. A sensação de não estar sendo ouvido só provocará raiva.
Não é tarefa fácil
Não deixe para a hora do calor do embate! Devemos proativamente nos estimular a reconhecer nossas próprias estruturas e filosofias de pensamento e buscar compreender as estruturas e filosofias de pensamento das demais pessoas com as quais compartilhamos nossos espaços pessoais e profissionais.
Assim como um aluno de MBA possui um estoque de paradigmas em seus arquivos de estudo, um líder de equipe que pretender aprimorar suas competências de comunicação, teambuilding e análise e tomada de decisão deve buscar conhecer e saber navegar por diferentes estruturas interpretativas.
Trago aqui uma frase de Douglas North, laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1993. Em sua teoria, indivíduos e organizações tomam suas decisões com base em ideologias imperfeitas, que são “modelos mentais” de como o mundo funciona ou seja, nossas estruturas interpretativas.
“Ideologias são a estrutura compartilhada de modelos mentais que grupos de indivíduos possuem e que fornecem tanto uma interpretação do ambiente quanto uma prescrição de como esse ambiente deve ser estruturado.”
E essa frase final tem muito peso: quando estamos presos a um modelo ideológico, não aceitamos outras formas de análise e interpretação do ambiente. Aí precisamos de mais tempo para debater como podemos promover a mudança de crenças e valores. Mas isso fica para outra oportunidade!
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |