“Uma vida não refletida não vale a pena ser vivida”. – Sócrates
Imagine a seguinte situação. Em uma tarde de trabalho, você precisa finalizar uma apresentação importante, que demanda tempo de acesso a diferentes arquivos e informações da empresa. No meio do caminho da tarefa você recebe um vídeo no Whats App sobre um tema muito interessante e, sem que perceba, acaba se interessando pelo próximo assunto de sugestão que estava na rede em que acessou o primeiro vídeo. Sem que se dê conta, assiste vídeo após outro, navega sobre alguns posts de conteúdos e publicidades, descobre status de colegas de trabalho até que, para seu desespero, percebe que uma hora inteira se passou. Sua apresentação permanece intocada e a tarde de trabalho está prestes a acabar. Você se sente muito mal e simplesmente deleta o aplicativo da rede social em que entrou de seu celular. E se pergunta se tem algo errado com você.
Esse caso hipotético aconteceu com um cliente meu e, de forma muito semelhante, com pessoas de meu convívio familiar. Tenho certeza de que não são casos isolados e falam sobre uma tendência crescente em nosso tempo: o vício e a compulsão em acessar redes sociais, que estão invadindo o espaço de trabalho.
Ansiedade, imersão de tempo acessando vídeos e posts, procrastinação, culpa, mais ansiedade. Esse é o ciclo interminável de sentimentos de quem é capturado pelo poder magnético nas redes sociais, seja rolando para cima o feed – popular scrolling – seja comentando postagens ou vendo os comentários (onde está o melhor!). Se algo assim está acontecendo com você, peço para que leia esse texto até o final. Sei que esse pedido é um dos múltiplos truques psicológicos utilizados para levá-lo na espiral de rolagem infinita para leitura e visualização de conteúdos, mas aqui o trago com a intenção de promover reflexão para gestão do tempo e da própria atenção, de forma a contribuir para interromper essa péssima maneira de lidar com a ansiedade.
Nessa manhã, pensando no caso de meu cliente, fiz um passeio diferente por meu feed do Instagram. Decidi listar e catalogar o que apareceu. Pela ordem:
- Celebridade de Dubai ensina a fazer pinta com maquiagem;
- Pessoa sentada em um sofá vende um curso para mudar sua vida (para saber sobre o que é preciso seguir acompanhando);
- Influencer brasileiro ensina a guardar dinheiro para investir (esperei para ver: ele conta toda uma história para sustentar que tudo começa guardando R$100,00);
- Médico compartilha notícia sobre os danos causados pelo microplásticos na alimentação;
- Um moço gringo beija freneticamente um gato amarelo, que o impede de prosseguir, colocando a pata direita em sua boca;
- Propaganda para ensinar a vender de verdade (popular curso para vender curso);
- Psicóloga faz post sobre um case em seu trabalho, homenageando o dia do idoso (que vem a ser a data em que escrevo esse artigo: 1º outubro);
- Um cliente compartilha trecho de um evento em vídeo, com uma apresentação em palco ao fundo;
- Instagram traz sugestões de pessoas que devo seguir;
- Link patrocinado que ensina a fazer gatinhos nas pontas das unhas.
Pronto, aí se vão os primeiros 10 posts de um mini-scrolling que duraria no máximo 3 segundos em uma rolagem e, caso eu visse todos os vídeos, poderia chegar a 3 minutos. O que dá uma ideia da densidade de conteúdo que um feed pode prover. Para ser fiel à rede em qual o escrevo e prover um pouco mais de perspectiva a esse texto, decidi fazer o mesmo no feed de meu Linked In. Eis o que encontrei dessa vez:
- Profissional posta foto da sacada e inicia texto explicando sua trajetória na cidade em que está atuando. Parece ser um texto bem emotivo;
- Propaganda de uma empresa que presta serviços a RH, tendo no topo uma informação sobre conexões minhas que a seguem e número de seguidores dessa prestadora de serviços;
- Foto de evento corporativo, compartilhado por uma pessoa que eu sigo;
- Post sobre importância da empatia em CEO, compartilhado por um colega americano no campo de inteligência emocional (adoro ver material do pessoal de fora para me manter atualizada no campo). Como parei para ver mais detalhes, Linked In me pergunta logo abaixo se achei a experiência útil e por que (se pelo autor ou pelo tema, marquei por ambos);
- Post do Linked In explicando como manejar o conhecimento e engajamento para minha empresa;
- Anúncio um tanto confuso de uma empresa da área financeira, sobre cuidado pessoal;
- Post de parlamentar sobre uma rede que pretende ampliar recursos para professores e acesso à Educação;
- Textão de pessoa que sigo explicando origem etimológica da expressão “Sextou”;
- Matéria compartilhada por cliente meu, sobre o tempo que os CEOs devem reservar para as pessoas;
- Vídeo indicado por pessoa que sigo, de uma empresa de comunicação que, em post sobre storytelling, compartilhou o bastante famoso vídeo de uma mãe e seu filho com Síndrome de Down. Um texto muito emocionante, que recebi por diversas fontes semana passada.
Ficou com vertigem com tanto assunto bagunçado? Isso porque estava escrito. Se fosse imagem, você nem perceberia. Nessa segunda sequência de posts, poderíamos novamente passar de 5 segundos a alguns minutos, a depender de quanto tempo usaríamos nos vídeos. Entenda-se que esse breve “passeio” seria um substrato bastante pequeno da quantidade de posts que poderíamos ver em um espaço maior, que chegasse por exemplo a uma hora. Atente-se que, a qualquer momento, um dos assuntos da lista poderia ser de meu interesse, o que levaria a um ciclo interminável e não previsível de acesso a possíveis novos conteúdos, me deixando presa em um looping de captura atencional.
Uma pesquisa desse ano da Health Ventures dá a dimensão da intensidade do acesso a redes sociais:
- 67% das pessoas checam seu status das mídias sociais durante o trabalho;
- 41% acessa as redes na hora do almoço e
- 40% acessa as redes de forma intermitente durante o dia.
O tempo de acesso para muitos é alto: 20% das pessoas gastam mais de uma hora por dia acessando as redes sociais, isso durante os turnos de trabalho!
Em 2014 a Pew Research Center, considerando uma amostra de aproximadamente 2000 americanos adultos, apontou que o tempo médio gasto em redes sociais era de 145 minutos por dia, o que dá duas horas e vinte e cinco minutos! Ainda que a pesquisa não seja recente podemos acreditar que o uso médio não mudou muito, pelo menos para as pessoas que tem trabalho, vida familiar, necessidade de deslocamento com atenção ao trajeto.
Então, em uma “conta de padeiro” (145/3 x 10 posts), tendo por base meus feeds do Insta e LinkedIn, dá para dizer que em um único dia eu poderia acessar por volta de 500 posts, em conteúdos completamente aleatórios e com no mínimo um quarto disso em publicidade. E isso nem seria considerado vício, pois essa é uma média de alta dispersão – há pessoas que passam muitas horas nas redes sociais, dentro ou fora do trabalho.
Aqui algumas outras estatísticas interessantes da pesquisa da Pew Research que ajudam a entender motivos e crenças das pessoas em torno das redes:
- 34% dos trabalhadores usam as redes para fazer uma pausa mental;
- 17% das pessoas usam as redes para aprender sobre algo com que trabalham;
- 22% das pessoas acreditam que as redes atrapalham a produtividade.
Tendo entendido o vasto uso das redes, inclusive como válvula de escape no turno de trabalho, vale entender por que seu uso pode ser danoso para nossa saúde mental: simplesmente não estamos tendo tempo de digerir tudo o que consumimos on line. Mais do que tempo de vida, isso está nos tirando capacidade de resposta aos desafios cotidianos, turvando nosso raciocínio, ampliando prazos de entrega, protelando sentimentos negativos e contribuindo, em última instância, com a própria exaustão.
A psicologia por trás da rolagem infinita
O vício em rolar notícias e acessar essa quantidade enorme de informações sobre conteúdos diversos tem bases psicológicas. A quantidade de conteúdo, a similaridade entre os temas e o quanto nos interessam são três fatores-chave para prender nossa atenção, uma vez que “um assunto leva a outro”, criando uma série de conteúdos para assistir, em sequências que entregam mais daquilo que desejamos ver (HBR, 2022).
A psicologia evolutiva explica esse comportamento. Há quem diga que a sedução do scrolling é a resposta de dopamina que ele fornece, pois de vez em quando achamos um “tesouro” em nossas rolagens, o que nos traz uma sensação de “a-há” que libera muita dopamina. Além disso, o cérebro busca previsibilidade, havendo uma recompensa quando a encontramos. (The Guardian, 2021).
Outra explicação, da qual gosto ainda mais, é de que temos uma necessidade de completude, ou seja, precisamos ter a sensação de que vemos as histórias, os assuntos, os conteúdos da vida até o fim, que o digam as séries que maratonamos por culpa daquele “só vou esperar até ver o que acontece com a heroína” que o próximo episódio promete trazer. Ainda outro apelo irresistível para olharmos tantos conteúdos aleatórios está na própria novidade. Nosso cérebro é treinado a procurá-las, a aprender com elas, a encontrar sentido dessa forma.
E assim chegamos no ponto em que eu desejava. O que podemos fazer para não cairmos na toca do coelho das redes sociais?
Como todo movimento que leva em consideração nossa inteligência emocional, tudo começa com a (1) tomada de consciência, o que significa começar a quantificar nosso próprio comportamento digital. Isso implica em ter clareza do número de horas gasto nas redes, especialmente no celular. Diversos aplicativos ajudam nisso, muitos telefones já vêm com eles instalados. Mais do que o número de horas, no entanto, vale fazer uma conta por alto do número de conteúdos acessados, entre vídeos, posts e outros textos e o percentual de publicidade a que estamos expostos.
Entendida a intensidade de nossa interação nas redes é hora de 2) compreendermos nosso padrão de acesso, exatamente como os algoritmos das redes fazem. Uma prática possível aqui é fazer listas de nossos feeds (até 10 posts por lista, como em meus exemplos), de forma a compreender que tipo de conteúdo acessamos, ou seja, o que realmente nos interessa. Esse segundo passo permite que possamos ir para a terceira prática que tem a ver com 3) estabelecermos regras para nosso comportamento e monitorarmos nosso uso das redes, o que muitas vezes requer algum tipo de acompanhamento, já que é difícil modelarmos nossas próprias respostas.
Uma última dica é (4) acessar conteúdos de consumo mais lento, ao estilo de podcasts – como o Arena IE – e esse próprio artigo, propositadamente mais longo dos que eu costumo redigir, e parabéns se chegou até aqui! Isso tira o efeito de uma rolagem não intencional ou aleatória, contribuindo na promoção e assimilação de significado.
Finalizo esse texto com um convite para encararmos de frente nossas necessidades evolutivas de completude, novidade e previsibilidade, desafiando a ideia de encontrarmos “a grande entrevista”, o “super guru”, a “incrível novidade” e trazendo a proposta de refletirmos um pouco mais sobre cada conteúdo que captura nosso olhar, produzindo sentido. Dá para fazer isso sem pressa, com leveza. Afinal, em termos de desenvolvimento e aprendizagem pessoal, a melhoria é contínua. E como diz o ditado italiano, piano, piano, se va lontano. Enquanto isso, vamos dar um pouco mais de presença ao passar de nosso tempo.
Publicado originalmente no LinkedIn
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |